segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Patinho - e vc, tem fome de que?

Pra celebrar a comilança de fim de ano!

Texto criado durante as oficinas do Marcelino Freire. Elaborado a partir da primeira frase enviada pela autora Ivana Arruda Leite (em itálico), que também colaborou com a edição final do conto.

Patinho

O amor vem de um lugar muito fundo e escuro, doutor. É lá que ele nasce, é lá que deve morrer*. Foi assim com o Antero. Homem lindo, macio, era um filé o Antero. A gente falava assim na época, sabe? Pois é, amei muito ele, já disse pro senhor. Amei 17 anos e 4 meses. Quando ele me conheceu eu ainda usava saia plissada. A mesma que ele tirou no décimo segundo encontro. Papai tinha ido abastecer o açougue e mamãe passava o dia atrás do caixa. Casa vazia, saia no chão. O resultado, doutor? Nove meses depois a saia plissada não servia mais. Culpa da Marina, aquela mais alta ali na foto. Nasceu de fórceps. 2kg e 900gm. Ficou linda vestida de daminha no nosso casamento: vestido godê, saia de tule. Ela adorava contar isso na escola. Era a única da sala que assistiu o casamento dos pais. Falava com a boca cheia. Aqui? Não, aqui ela não vem me ver, doutor. Nem pra trazer algo pra comer, nada. O senhor já viu a lavagem que servem aqui? Dia de festa quando tem um bifinho. E vem duro que nem sola de sapato. Detesto carne dura.

Marina era muito apegada ao pai. Não entendeu o que aconteceu. Contratou aquele advogado de gel no cabelo e calça risca de giz, o senhor viu, não viu? Deve ter feito até empréstimo pra pagar. Minha filha não olhou uma vez pra mim no julgamento. Me condenou antes da sentença, o senhor sabe disso, não sabe doutor? Já chorei tanto por isso que secou.

Marina chegou em casa logo depois que eu tinha limpado a cozinha. Acho que ela sabia da Helena, aquela piranhazinha loira. Se não fosse a Helena... Amiga de colégio da Marina. Fiz muito bolo de cenoura pro café da tarde delas. Sempre gostei de cozinhar, já disse ao senhor? Helena adorava meus bolos, frequentou lá em casa desde quando elas ainda usavam vestidinho amarelo, aquele do uniforme das madres, sabe? Helena era da família já. O problema começou quando elas passaram a usar saia plissada pra ir pra escola. Helena, carne dura e cor de rosinha à mostra no sofá da sala. Antero era doido por saia plissada. Tirou a minha no décimo segundo encontro, já disse isso pro senhor. Tirou a da Helena no décimo segundo aniversário da Marina. Doze era o numero da sorte dele, ele sempre dizia isso.

Eu sempre soube, doutor. Trancava a porta do quarto e ligava a TV naqueles programas de culinária que passam à tarde, sabe? Na quarta receita a Helena já estava fechando o portão. Esse livro aqui é todinho das receitas que eu anotei, o senhor quer dar uma olhada?

Helena era boa menina, não reclamava. Acho que ela gostava, isso sim. Quem não gostava de Antero? Helena nunca me enganou. E eu não me importava porque depois era minha vez. Ele vinha doido pra me comer. Até tapa na cara me dava. Acho que era pra me amaciar. E eu ia trabalhar de óculos escuros no dia seguinte, orgulhosa. Ah, Antero, amei tanto ele, doutor, senhor não imagina quanto.

Foi na feijoada do Zé que eu percebi que a saia plissada não servia mais na Helena. As carnes tudo saindo pelo zíper. O pai dela disse que ia denunciar pra polícia. Antero ficou louco. Era um menino, doutor! A desgraçada ia ter um menino. Antero era doido pra ter filho homem e eu era oca de homem. Deus não foi bom comigo. Antero fez as malas naquela noite mesmo, antes do jantar.

Na feijoada eu o vi falando pro pai da Helena que ia criar o menino, que tava apaixonado, ia morar com ela, o senhor acredita? Helena sorriu. Não disse que ela gostava, aquela piranhazinha? Lá mesmo na feijoada ele falou pra mim que ia me largar pra ficar com ela. Eu deixei a costelinha no prato, limpei a boca e fui pra casa. Antero foi logo atrás, pegou uma mala no armário e foi colocando as roupas. E eu colocando batatas na panela de pressão. Chamei ele pra jantar, ele disse que da minha comida não ia comer mais. O que aquela lá vai te dar pra comer, Antero? Carne dura, cor de rosa e sem banha, ele me disse assim, seco, duro de engolir, viu doutor. Daí ele foi pro quartinho dos fundos. E eu fui adiantando o molho da carne: azeite, alho, cebola e coloquei alecrim pra deixar perfumado. Não gosto de carne dura. Antero ia embora. Ia sem jantar. Patinho com batatas, molho de alecrim e arroz branco. Coloquei a receita no livro, bem aqui.

Marina chegou quando eu tava enterrando os ossos. As costelas eu dei pro Faísca. Ela chamou a policia. Marina é vegetariana, contei pro senhor? A Helena perdeu o bebê e também virou vegetariana.

Foi isso que aconteceu naquele dia, doutor. E é por isso que eu estou aqui comendo essa lavagem que não se dá nem pros porcos. Troco umas receitas com a Marta, a moça que tranca as portas aqui. Ela acabou de casar mas não sabe cozinhar. Mulher casada tem que saber cozinhar, não é doutor? Marta até fez um xerox do meu livro de receitas, a danadinha! Daí fez esta moela a milanesa e me trouxe pra provar. Que gentileza, não é doutor? Quer uma? Tá bem molinha. Já disse que não gosto de carne dura, não disse?

Fe Lopes - A gente não quer só comida.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Roer o Osso

- Soube que o Adriano está deprimido? Pois é, menina. Não abre as cortinas tem 2 semanas. O carro está lá, direto na garagem. Nilda disse pra minha faxineira que nem banho ele tem tomado, vê só que horror, menina. Se não fosse ela, Thor já tinha morrido de fome, tadinho. O bicho não está nem latindo pra não incomodar. Pois é, por isso que você nem sabia que ele tem cachorro. Uma gracinha, cuida do Adriano que você precisa de ver. É um pastor alemão. Li no google que eles são muito apegados ao dono. Fiéis. Agora a Paula nao. Fugiu menina, você não soube? Foi assim mesmo, da noite pro dia. Por isso que ele ta assim. Uma cachorra sem coração essa Paula. Deixar um homem bom que nem o Dri. É, esse é o apelido dele. Paula fugiu pra ficar com aquele vira-lata do Gerson. O do terceiro andar do bloco B, sabe?
O Dri está lá, coitado. Sozinho. Fiz uma canja e tô indo lá levar pra ele. O vinho? Ah, vou levar também... você... acha que esta bom o comprimento da minha saia?

Fe Lopes - tem gente que rói osso, tem gente que prefere filet mingnon.

Caminhada em 2010

Andei muito em 2010. E ainda tô andando. Tanto que as vezes nem deu pra parar por aqui. Levei blog e textos na cabeça. Alguns até marquei no papel, entreguei nas oficinas de escrita criativa, imprimi no livro. Andei por lugares tristes e difíceis. Mas tambem divertidos. Andei sobretudo por lugares que eu nunca achei que eu fosse andar. Aqueles que eu disse que jamais poderia, que não estavam no meu hall de possibilidades. Quando caminhei por eles, descobri que as possibilidades podem ser infinitas. E os caminhos também. E meu hall cresceu. E isso foi e tem sido uma delícia.

Ia dizer que o ano de 2010, pra mim, começou essa semana, mas na verdade, acho que tô é antecipando 2011.

Fe Lopes  - Ando dormindo pouco. Ando tão decidida. Tenho andando muito este ano.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Por um pouco mais de

Delicadeza

Fe Lopes

Na Mesma Lona - Fotos do Lançamento do livro!

Na Mesma Lona (adorei essa luz!):
Bia Bittencourt, Izilda Bichara, Julia Moreira,

Miriam Prado, Jordana Chaves, Carol Romão, André Sala, Eu,
Daniela Fajtlowicz, Gustavo Galizzi,
Alfredo Stahl, Renata Pinheiro.


 Na Mesma Lona dessa vez com flash:
Bia Bittencourt, Izilda Bichara, Julia Moreira,
Miriam Prado,Jordana Chaves, Carol Romão, André Sala, Eu,
Daniela Fajtlowicz, Gustavo Galizzi,
Alfredo Stahl, Renata Pinheiro.

 João Anzanelo Carrascoza
(escritor, nosso professor na AIC, autor do prefácio do livro),
 Eu, André Sala, Bia Bittencourt, Julia Moreira, Carol Romão e Jordana Chaves.

 Na Mesma Lona: Eu, Izilda Bichara, Carol Romão,
Flávia Fonseca, Jordana Chaves,
Renata Pinheiro, Teresinha Theodoro, Bia Bittencourt,
André Sala, Alfredo Stahl, Miriam Prado,


Em primeiro plano, meu conto no livro
(com direito a beijos de rouge intense no autógrafo),
e eu e a Jordana ao fundo. 


Fe Lopes - Escritora!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pães de queijo, amigas, óculos escuros e bombons.

Foi no velório do meu avô que falei pra ela: não quero crisântemos no meu enterro. Nem essas folhagens verdes de montar os arranjos. Tinha dito isso também pra minha mãe, meia hora antes, na floricultura que ficava em frente ao cemitério. Minha mãe digitava a senha do cartão, comprando mais uma coroa. Me calei com seu olhar. Lembrei que mamãe nunca entendeu nada sobre flores. E isso me reconfortou.

Mal acabou de entrar no cemitério, trazendo uma sacolinha com pão de queijo e um refrigerante de laranja, e eu já logo fui falando sobre as flores feias que não queria no meu enterro. Ela usava óculos escuros, meu presente no amigo secreto da turma. Me abraçou e falei de um fôlego só sobre como achava aquelas flores cafonas. Segurando meu rosto, achatando contra seu peito, ela fez questão de se justificar, dizendo que não veio de noite porque quando a avisei ela estava de vestido florido amarelo.

De traz dos meus óculos de sol, ouvi ela garantir que não teriam crisântemos quando eu morresse. Perguntou se poderiam ser gérberas, que sempre são bonitas. Se der tempo, contrato um decorador. Ao ouvir isso escorreu uma, duas, três e quando vi, já nem dava mais para contar quantas lágrimas caiam por sobre aquele saco de pão de queijo no meu colo. Salvei um pãozinho, e entre uma mordida e outra eu a relembrei que as gérberas só não poderiam ser vermelhas.

Segurando o ultimo pedacinho do último pão de queijo entre minhas mãos, contei para ela que meu avô estava usando um terno novo. Mesmo passando boa parte dos seus dias metido em camisas de cambraia creme, ele havia comprado este terno para uma ocasião especial. Aproveitei para dizer que quando fosse meu enterro, não queria roupa fechada ou justa. Você sabe, eu fico sufocada, completei. Ela ergueu as sobrancelhas, e fez aquele sim com a cabeça que fazia quando eu falava coisas que ela já sabia. Continuei explicando que preferia uma roupa usada. Talvez meu vestido novo da Mulher do Padre, que eu adoro. Acho importante chegar lá com sua roupa preferida, ela completou.

Os sapatos do meu avô eram pretos. Nunca tinham conhecido a rua. A verdade é que ele gostava mesmo eram daquelas botas de jeca tatu, marrom e com elástico do lado. Falamos isso e demos meia dúzia de risadas, relembrando que ele foi com um par daquelas botas no meu casamento. Ficamos em silêncio. Mas os sapatos pretos são solenes, ela notou. Dei um gole no refrigerante de laranja, mastiguei o último pedaçinho do último pão de queijo, e a fiz prometer que me vestiriam algum dos meus tênis coloridos. Eu quero morrer parecendo comigo. E pra isso eu sabia que precisaria muito dela. Porque mamãe também nunca entendeu nada sobre tênis coloridos. Com uma mão me servindo refrigerante, e outra tirando meus óculos escuros pra limpar a lente embaçada, ela afirmou que até minhas bijuterias favoritas ela faria questão de colocar em mim.

Foi só depois de ouvir isso, que deitei a cabeça no colo dela e contei como meu avô tinha morrido. Daí, enquanto dividíamos o finzinho do refrigerante de laranja, falamos sobre a neném da Mari. Tinha nascido naquela semana. O padre chegou, ela segurou minha mão. Fecharam o caixão. O refrigerante acabou. Deixa que eu levo ela pra casa, tia – ela disse pra mamãe. E naquele dia, me colocou para dormir com um dos seus chás de camomila especiais. Nunca gostei muito de chás. Mas dormi a noite toda. Acordei e, repousando ao lado dos meus óculos escuros, sonhos de valsa me esperavam e me arrancaram um sorrisinho macio, enquanto me lembrava que ela sempre entendeu tudo sobre bombons.

Fe Lopes - pra Cacá.

sábado, 11 de setembro de 2010

Coração e Periquita


Já sabia as letras do alfabeto. Mas ainda não sabia desenhar coração. A professora falou na aula de artes que primeiro era pra fazer uma metade, depois a outra. A parte das metades ela até já conseguia, o difícil mesmo era juntar os dois lados no final.

- Mãe, desenha um coração pra mim?

A mãe lhe entregou o papel, e ela preencheu o desenho com duas letras maiúsculas e uma minúscula no meio: R e F. Completou com uma flecha. Dobrou pontinha com pontinha duas vezes antes de sair pro quintal. Andou cuidando pro papel não voar das mãos dela e ir parar na porta errada. Trepou no banco rente ao muro e jogou o coração pro vizinho. Pronto, sorriso no peito.

Distraída, não viu a avó regando as Marias-sem-vergonha.

- Que é isso menina? Lea corre aqui que a menina jogou um papel na casa da Vera.

- Era pra isso que você queria que eu desenhasse o coração, moleca?

-Tem que cuidar dessa menina, Lea. Já falei que ela tem fogo demais na periquita.

- Mas foi um coração, não um periquito que eu pedi pra você desenhar, mãe.

- Cala a boca e vai pegar aquele papel antes que alguém veja.

- Ta, mas é que...

- Sem um pio. E vai agora, que eu tô mandando. E joga fora, que se seu pai ver...

Engoliu a raiva, o pio e com uma cara amarela pulou o portão. Recolheu do quintal do vizinho as duas letras maiúsculas e uma minúscula, a flecha e o coração. Mirando sua casa com olhos apertados e fazendo bico, dobrou mais uma vez o bilhete.

- Aqui a mãe e a vó não se metem. – falou isso enquanto guardava o papel dentro da calcinha. Pertinho da periquita.

*primeiro texto elaborado para a oficina do Marcelino Freire no b_arco*

Fê Lopes - uma nova versão, para uma velha canção.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sobre colocar-se em risco

Princípio do Prazer = "É a tendência que, em busca da descarga imediata da energia psíquica, não quer saber de mais nada - nem do real, nem do outro, nem mesmo da sobrevivência do próprio sujeito" Maria Rita Kehl

Fê Lopes - por uma vida com mais mediação e sublimação.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

28 B-day

"Porque amar não é um vexame. Escândalo mesmo é a indiferença." Carpinejar.

Fe Lopes - por uma vida com menos escândalos meus, seus, nossos.

sábado, 26 de junho de 2010

Maria dos Prazeres

Maria dos Prazeres era uma portuguesa gorda, solteirona, que vendia bolinhos de bacalhau nos finais de semana na esquina da rua Quatorze de Novembro. Depois que a mãezinha tinha falecido de tifo, Maria morava sozinha. Na casa dos fundos vivia Getúlia, uma italiana roceira, que lavava pra fora, e que em troca do aluguel arrumava a casa e cuidava das roupas da dona Maria

A portuguesa jamais saia de casa sem roupa de baixo, combinação, sutien, saiote, meia de seda sete oitavos, saia e blusa fechada até o cangote. Um tarado poderia abordá-la no bonde, aijisus! Mantinha os cabelos sempre presos num coque, com redinha cor marrom. E não conhecia blush nem essas pinturas de mulher da vida.

Certa manhã Getulia avisou que as roupas de baixo da patroa estavam precisando trocar de elástico. Numa dessas, a senhora acaba perdendo as calcinhas no caminho! Maria fez o nome-do-pai-do-filho-e-do-espírito-santo-amém três vezes depois de ouvir isso, repreendendo a roceira que lhe falava aquelas obscenidades. Lembrou a Getulia que nem o doutor a tinha visto sem suas calcinhas, oras! Bateu a porta com força e como era quinta feira, saiu para comprar batatas para seus bolinhos.

Parou na esquina da Augusta para cruzar a rua. E foi ali que sentiu um vento por dentro de sua saia que lhe congelou os olhos. Passou a mão pela cintura. A calcinha já estava lá pelo meio das canelas. Tinha andando, roçando uma coxa gorda na outra, e nem notou que a calcinha ia descendo, assim, pacientemente, até aterrizar sobre os seus sapatos beges. A esta altura, já tinha feito 34 vezes o nome-do-pai, e calculava quantas vezes rezaria o terço para Nossa Senhora de Fátima quando chegasse em casa. Olhou para os lados, ninguém a vista, então sem muito jeito, levantou um pouquinho uma perna, depois a outra, e deixou a calcinha ali, no meio fio. Torcendo para o farol fechar e ela poder sair dali, como se aquilo lá não fosse dela.

Acontece que Maria ignorou a presença de um rapaz de chapéu do lado bem atrás dela. Ele também aguardava o sinal verde. O rapaz se curvou, pegou aquela calcinha abandonada na sarjeta, colocou um rizinho por baixo dos bigodes, deu um passo a frente, tocou a cintura da senhora cheia de carnes, e com a respiração quase no cangote da moça, perguntou, desculpando-se pelo inconveniente de não saber o nome da bela dama, se por acaso aquela roupinha de baixo era dela.

Maria não tinha passado blush, mas as bochechas pegaram fogo naquela hora. A mão do rapaz em sua cintura ia lhe dando uns caloires, aijisus! O meinho das coxas ficou molhado. Corou mais. Esquecendo-se de Maria, das calcinhas e do nome-do-pai, virou para trás e disse ao homem de chapéu do lado: Podes me chamar de Prazeres.


*texto elaborado para oficina de Criação Literária com o professor Marcelino Freire*
 
Fe  Lopes

quarta-feira, 16 de junho de 2010

É das cores que ela ia sentir mais saudades

Chave prateada. Ignição branca ladeada de preto. Um giro, e a partida. Chaveiro de coração tiquetaqueando no painel. Acelera. Fumaça cinza. Adeus. É isso.

Luzes apagadas pela cidade. Quem disse que ela nunca dorme? Tudo preto e branco. É tarde.

Diminui a velocidade, para na faixa de pedestres e dá passagem para o adeus vestido de negro.

Os macarons coloridos do Paris 6, o manjericão da Marguerita, a tinta de lula do Viccolo Nostro, a transparência do DOM em que nunca foi. O painel dos OsGêmeos na 23. O verde burguês do Panamby. Laranja e cinza Jardim Ângela. Cinza céu. Cinza terra. Cinza terra pontilhado de verão. Cinza céu rasgado de fim de tarde de outono. Cinza. Ponto.

Ônibus azul. Um ou outro. Suor pingando cansaço. Fedor desodorante-pobreza. Bolo de fubá amarelinho, chá, café, chocolate bem escuro, por favor. R$ 1,50 cada. Elevador platinado, luz azul, porta abrindo. Mais um café, de maquina agora, tirado ali. Marrom aguado.

Casamento. Loiro, branquelo, boca mole, pele seca, dente amarelo. Todo seco. Oco. Barriga bege jazendo no sofá. Cueca bege, murcha sobre a cama. Cerquinha branca, seriado na TV, pizza de R$ 9,90 na sexta à noite. Noite bege. Cerveja Krill, amarela aguada. Um brinde com ele. Coxinha oleosa, bege. Mixuruca.

Dinheiro? Onde? No bolso, na carteira, no banco, cadê? Já? Onde mesmo a Gislaine orientou investir? Posso sacar quando? Dinheiro verde-água-que-se-esvai.

Você deságua em mim, e eu oceano, baby. Dinheiro. No bolso. Na carteira. Em baixo da cama. No carro. Dentro do capô do carro. No fundo falso do armário falso. Nas bonecas da Juliana. No banco não, tá maluco? Dinheiro verde.

Sinal abriu. Acelerou. As cores. Tiras iluminadas de laranja ficando para trás. Pedrinhas para João e Maria nem pensar. As cores, um pasticho agora, tudo misturado em meio as roupas espalhadas pelo porta-malas. As malas. Acelerou antes que as luzes vermelhas e azuis dessem falta dela. As cores, Juliana, que saudades do cabelo amarelo dela que vai dar, deus do céu. Segurou naquela mão grande e negra-coragem. Acelerou antes que a memória pisasse no freio e desse meia volta. Olhos nos olhos pretos dele. Acelerou. Adeus resto.

É isso. É das cores que ela ia sentir mais saudades.



*texto para oficina de criação literária, Poesia, com o Prof. Donizete*
 
Fe Lopes - é das cores que eu também sinto mais saudades.

domingo, 6 de junho de 2010

Mais três lágrimas e um oceano de coisas.

Era só uma avenida, mas pareceu um oceano. Enorme, inteiro, separando dois continentes. Aqueles mesmos, que na era sei lá qual, tinham tido suas placas tectonicas separadas. Assim, com dor e tudo o mais. Agora um deles regressa para o lado de lá. Vem com uma coragem imensa e algumas tantas rachaduras. E dor e tudo o mais.
Parecia um oceano, mas era mesmo só uma avenida. A avenida que seleva a coragem de ousar querer descobrir para onde os olhares querem ir - e não só para onde são levados - a avenida que um dia separou a infância da vida adulta, que agora materializava os sonhos desfeitos - dos nossos planos é q tenho mais saudades. Essas e tantas outras coisas em apenas um cruzamento.
Andou bem lenta pelo caminho. Parou em todos os farois, ouvindo uma das músicas da trilha do filme Alta Fidelidade - lembrou que gosta muito de trilhas sonoras de filmes. A música falava de uma garota que caiu de amores por alguém, mas que não deu certo. Ela esperou ele escrever uma música pra ela, mas ele não escreveu nunca, e daí ela se foi. E ao ouvir essa frase, enquanto cruzava a avenida, ela chorou uma lágrima. Duas ou três, talvez. Daquelas que escorrem doídas pelo rosto, e daí nem precisam ser muitas mesmo. Lágrimas ressentidas, corajosas e frágeis - mesmo que em se tratando de lágrimas, isso tudo pareça um grande paradoxo.
O farol abriu, os carros na faixa ao lado andaram, mas ela continuava ali, parada. Um minuto de silêncio, pelo mundo que desaguava naquele oceano agora. Um minuto imóvel. Si-lên-ci-o. Se tinham buzinado, se tinha xingado, ela nem viu. Estava ali, vestida de fim, chorando um oceano de coisas em apenas mais três lágrimas dignas dela, do oceano, da avenida, e dele - ainda viriam outras, ela sabia.
De súbito acelerou o carro. E chegou daquele lado de lá.
Fê Lopes - o infinito sou eu.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A duplicidade de Vênus

[republicando]

A duplicidade de Vênus *

Sobre o chão de Vênus
mãos, braços e pernas
onde outrora derreteram-se
mergulhados no infinito,
solidificam-se.

Os lábios de mágico mel,
conhecem agora o gosto acre e salgado
das lágrimas,
que deságuam na boca, e que escorrem
va-
ga
-ro
-sa
-men
-te pelo rosto,
nascidas do canto dos olhos
que se um dia brilharam de encanto,
agora,
mareados, opacos, molhados.

“...e do riso,
fez-se o pranto...”


Involuntariamente
escorre pelo chão de Vênus
o músculo involuntário.
E o corpo dança no ritmo da mais triste bossa nova.
E na dança pulsa,
tristemente,
o corpo pulsa
Dor. Dor. Dor...

Sobre o mesmo chão onde um dia,
fez-se amor em Vênus,
faz-se agora
Fim de caso.

Fe Lopes - *poema meu, escrito em jun/2000, publicado em uma antologia poética de novos autores em 2003... apropriado para o momento.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Dias Raros

"Não queria se entregar mais, apenas compreender o que acontecera. E, num clarão, compreendeu. Era aquilo. Sempre uma ida às coisas e sua sequente despedida. Na mesma hora que ganhava a vivência, nele ela se perdia. Sorte que vinha outra, a cicatrizar a alegria ou abrir nova ferida, também logo substituída. E as pessoas nesse renovar-se, envelhecendo. As pessoas no meio, com suas raízes sujas de terra, cavoucando seus mistérios, bem-querendo-se, e juntas, acima das malqueridas ausências. E todas, o tempo inteiro, indo embora."
João Anzanello Carrascoza, no livro Dias Raros.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Bruta Flor

O Quereres - Caetano Veloso

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim

By Jy Pacheco

segunda-feira, 31 de maio de 2010
[ Constatações do dia de hoje ]

1. A gente é mais corajoso do que imagina.


2. Nunca é tão fácil. Portanto, quando for, desconfie. Talvez ainda não tenha sido de fato.


3. Exatamente aqueles que assumem que não é fácil, quando conseguem ir, vão, de vez.

*postado pela Ju

Madonna - The Power Of Good-Bye

It's high time to say goodbye

sábado, 29 de maio de 2010

It's high time to...

Resolvi re-publicar duas coisas importantes que coloquei aqui no final de 2008. Tudo isso porque existe um momento de turn point, daqueles que simplismente não dá mais para voltar atrás e tentar se acomodar nos velhos lugares. Tudo tem de ser novo, re-feito. Porque os velhos lugares simplismente não servem mais, e permanecer neles é uma violência, que exige, para caber nesses lugares antigos, que vc ceife seus desejos e sua criatividade. E isso dói muito. Não permancer também dói, e dói mais que muito, porque exige criar um novo local de paragem, de ancoragem, re-descobrir onde vc cabe, como, de que jeito... E o ser humano não gosta muito de mudança.

A pergunta que fica é, qual dor vc escolhe?

A de ficar ou a de sair?

Fe Lopes - it's high time to...

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Sobre o reconhecimento do intolerável

Quarta-feira, 22 de Outubro de 2008





"Minha nega me pediu um vestido



Novo e colorido



Pra comemorar



Eu disse: Finja que não está descalça



Dance alguma valsa



Quero ser seu par



E ao meu amigo que não vê mais graça



Todo ano que passa



Só lhe faz chorar



Eu disse: Homem, tenha seu orgulho



Não faça barulho



O rei não vai gostar"



                                                                                             (Chico Buarque - Ano Novo)



Quando comecei a grafitar, bolei um stencil que dizia



"O que você tem feito de você mesmo?"



Logo em seguida me veio a idéia de um bonequinho * bem tôsco, de cabeça baixa e tristonho e ele acompanhava o tal stencil. Logo quando acabei meu painel na Lapa saquei que queria que o meu bonequino dissesse também outra coisa:

Não finja que não é intolerável



Eu queria que ele dissesse isso. Ele, na verdade, quando perguntava "O que você tem feito de você mesmo?", queria principalmente lembrar daquilo que aparece como algo intolerável na nossa vida e que fingimos não perceber, toleramos. Muitas vezes, inclusive, investimos. Muitas vezes investimos no intolerável.



O intolerável se fez muito presente na minha vida muitas vezes. Acho que é assim com todo mundo. Mas a sensação de que era preciso parar de fingir que ele não existia só se fez gritante no começo deste ano. Eu já escrevi sobre isso aqui: um trabalho, uma coordenação intolerável, abusos, rompimento de contratos, humilhações, situações violentas em todos os sentidos.



Demissão. Foi preciso assumir o intolerável e denunciá-lo.



Acho que é sobre isso que queria falar aqui, hoje. Na realidade, é óbvio, sei que estou precisando relembrar em mim que é preciso parar de fingir que não é intolerável e denunciar. Acontece que denunciar o intolerável implica romper situações, relações, assumir riscos e construir outros caminhos. Muitas e muitas vezes toleramos o intolerável pelo medo do que virá depois da denúncia, o que perderemos, a que desconhecido teríamos que nos abrir após deixar de tolerar.



O intolerável não tem a ver com algo moralmente colocado como inaceitável. Não tem a ver com regras determinadas que são rompidas. O intolerável se mostra no corpo, nos efeitos que tem sobre o corpo. Cada um sabe o que lhe é intolerável porque seu corpo lhe diz, seu corpo sente. Sente a despotência que o intolerável lhe causa, o tremor, a sensação de desfalecimento, o entristecimento. O intolerável é a simulação de um campo de concentração da vontade e da alegria: as mata aos poucos.



Um dia postei uma aula de Deleuze sobre Espinosa aqui no blog e, nela, Deleuze dizia que a alegria é inteligente e nos faz inteligentes. Outro dia estava com uma sensação muito boa e de repente me dei conta que se tratava exatamente disso: depois de tanto buscar entender o que me faz alegre, o que me potencializa e, ao entender, poder ir buscar por experiências que vão neste caminho, é muito mais fácil pra mim perceber rapidamente o que me entristece e agir no sentido de dizer "não! é intolerável!!".

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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008



Como são e a hora certa by Tati Bernardi

"Enquanto arrumo minha mala para viajar percebo que tenho um novo mantra. Talvez algo aprendido pra trás ou uma espécie de filosofia pra frente. Ainda não sei se tem aí algo de mágico ou apenas um espírito brega de final de ano, daqueles bem otimistas e tal. As calças e vestidos estão enormes pra mim, que emagreci muito esse ano, quero ficar chateada, mas penso que as coisas são como são. Daqui a pouco engordo de novo. Na hora certa. Tenho saudades dele. Uma chaminha de reter quer voltar. Um gelinho de doer quer voltar. Mas solto, deixo, vai, apago, derreto. As coisas são como são. Além do que, uma vida pela frente vai me dizer. Na hora certa. E então meu I-pod toca Led Zeppelin no último volume e eu me acabo de gritar e sentir a vida. Quem diria. Anos e anos ouvindo todos os namorados me xingarem porque eu simplesmente odiava essa banda e agora, do nada, esse amor, essa obsessão. Descobri o cara. E meu Deus como eu amo ele. Pelado, louco, com a voz de um anjo tarado. As coisas são como são. Na hora certa. E então olho o meu “Grande Sertão” completamente riscado e eu obcecada pelas citações. E quem diria. Quem diria. Ontem mesmo, conversando com vários amigos, eles me disseram que eu não mais parecia comigo. Eu pareço eu sim, mas vou ganhando o mundo quando abro algumas brechas da minha prisão. E de brecha, vou me ganhando também. E quase vira o estômago mas sou tomada por uma fome boa que eu nem sei o nome. Talvez acreditar assim, sem medo, em algo descontrolado e de alguma forma justo, seja acreditar em Deus. Durmo em paz. Tudo na hora certa. As coisas são como são. E quando recebo suas mensagens de texto, ao longe, dizendo meio que genericamente que deseja tudo de bom e sente saudade, fico com vontade de perguntar se aquele recado chegou só pra mim ou foi disparado para toda lista do celular. Mas me recolho. Uma minúscula e ainda baixa “vozinha” me diz que além dos meus textos eu tenho também muitos charmes, graças e belezas. Além dos meus espinhos eu tenho também muitas flores. E que sim, eu posso ser amada. Porque não ter alguém agora, agarrado aos meus pés, não significa não ser um calo persistente até mesmo em solas curtidas e acostumadas com a corrida. Descubro coisas terríveis e maravilhosas a respeito do amor. As coisas são como são. E na hora certa. Como diria Milan Kundera “o amor começa por uma metáfora. Ou melhor: o amor começa no instante em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética”. Como diria João Guimarães “o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo”. Como diria ou gritaria ou uivaria Robert Plant “Com apenas uma palavra ela consegue o que veio buscar.
 E ela está comprando uma escadaria para o paraíso”. As coisas são como são. Na hora certa. E foda-se."

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Thelma e Louise

“Algo aconteceu comigo e eu não posso voltar” diz Thelma a Louise, com seus cabelos ao vento e seu 38 na mão, “vamos continuar andando”. E elas vão mesmo, Louise pisa fundo no acelerador, e de mãos dadas, as duas mulheres se jogam no vão quase infinito do Grand Canyon.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sobre o amor – parte I

Saiu na revista Cult desse mês um especial só sobre o amor, pela ótica da psicanálise, da filosofia, da literatura, e mais alguns outros ensaios sobre outras óticas. Provavelmente tomados pelo mês dos namorados que inicia já na próxima semana, eles decidiram fazer esta matéria. O interessante de ver todos esses pontos de vista diversos, é porque nos re-lembra a pluraridade de coisas que compõem um sentimento como o amor. E daí ao ler a matéria, fiquei divagando sobre as des-razões do amor, como já diria Pascoal.

Ao crescer você começa a perceber que tudo é bem mais complexo do que se imaginava, que o mundo não se divide maniqueistamente apenas. E penso que a primeira coisa que vc entende que é muito mais complexa e sobredeterminada é o amor mesmo.

Des-razão do amor quando vc é adolescente parece um mito romântico, sobre essa coisa do eu te amo e não sei porque, há tantas razoes para não amar, mas há uma para amar e daí eu amo e tudo é maravilhoso. Isso é lá, adolescente. Hoje pensar na des-razao do amor é pensar realmente nessa complexidade que compõem este sentimento – e daí vale o amor em qualquer esfera, não só sexual. As complexidades que estão, por exemplo, na ambigüidade de amar e não amar ao mesmo tempo, e com a mesma intensidade.

Quando eu era adolescente eu achava que tudo era bem simples. Certo e errado, sim e não, pronto. Fácil de decidir, fácil de fazer escolhas, fácil de seguir os caminhos, fácil de se manter neles, fácil de julgar. Tudo era fácil. Agora, mais adulta, eu percebi que as coisas se dão em emaranhados, com vetores diversos em um campo tão cheio de fios como este... Estes emaranhados as vezes são mais fáceis de transitar, as vezes até são estes fios mesmos que nos embalam carinhosamente, nosso aconchego, nosso porto seguro querido, ou então que nos sustentam pela vida a fora, nos empurram para mais longe quando achamos que não seriamos capazes de ir, nos freiam quando nos colocamos em risco. Porém tantas e tantas vezes são estes mesmos fios que nos impedem de caminhar mais longe quando assim poderíamos fazer. E também são eles que podem se transformar em verdadeiras armadilhas que caímos e construímos para nos mesmos ao longo do caminho.

Mas junho nem entrou ainda, então isso aqui é só o fragmento de uma discussão que ainda vai longe.

Fe Lopes - i'go where true loves go






sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cada começo é uma escolha

Não era nada disso que eu estava procurando para postar pra ela, mas meus arquivos do blog antigo estão tão confusos...

 

Mas a frase do Marcelo Carneiro da Cunha sobre criação ficcional se aplica muito bem a este assunto:



"Cada começo é uma escolha. Cada fim é uma escolha de um corte, ou você imagina qua as historias tem um fim? E as ramificações? As continuações? O fim é sempre um corte. Uma escolha de um corte."

E eu diria que saber cortar na hora certa é uma arte.

Fe Lopes - corta!

sábado, 24 de abril de 2010

Geléia, arco íris e outras saudades

Sabe, fazem alguns dias que só penso no meu avô, que esta semana teria completado 84 anos. Hoje especialmente. Daí, agora enquanto revirava os arquivos do meu blog antigo, buscando um texto para ela, encontrei isso que segue ao final deste post.

Em 2002 eu já escrevia blogs. E em 2002 meu avô teve um princípio de enfarte. Foram longos dias entre UTI, quarto, decisões e finalmente o retorno para casa. Dias asfixiantes, eu diria. Ninguém queria que eu fosse visitá-lo, porque temiam que ele ficasse muito emocionado. Mas eu fui mesmo assim. E encontrei ele ali, sorridente e mal humorado de não poder ver o jogo do timão. Abriu a gaveta do criado-mudo e tirou dela aqueles tabletinhos de geléia. Me deu todos e disse que tinha guardado pra mim e pra minha irmã. E eu achei aquilo uma das coisas mais amáveis do mundo todo. Meu avô, ante toda a sua chucrice, era uma pessoa muito carinhosa, mesmo.

E sabe de uma coisa? Agora, enquanto escrevo esta história, 8 anos depois desta cena no hospital, me dei conta de algo curioso.  Não sou uma grande fã de culinária. Comecei a cozinhar somente quando sai de casa, há 5 anos. Nem gosto muito de geléia. Mas essa é a única coisa que eu gosto de verdade de cozinhar. Não gosto de comer. Gosto de fazer. E nas poucas vezes que fiz, ele sempre era o meu primeiro presenteado. O que isto quer dizer? Não sei... talvez sobre esta doçura dos pequenos gestos, dos pequenos presentes, as doçuras que nos presentificam para o outro nos momentos mais difícieis.

E para completar as curiosidades da noite de hoje, enquanto eu re-via Encontro Marcado - aquele filme que o Brad Pitt é a morte - continuei a pensar muito no meu avô, evidentimente. Daí olhei para as minhas unhas pintadas de azul-claro-cor-de-confeito-para-doce-de-criança, e pensei que brincadeira ele diria. Então lembrei que no natal elas estavam dessa cor também. E enquanto eu pintava naquele dia, já imaginava que ele ia me encher muito - como eu adorava que ele fizesse. Mas quando ele viu, achou bonito! E antes de ir embora, passou a mão pelo meu rosto e me disse "o vovô te gosta muito, viu", me deu um beijo na testa, falou para a minha irmã e o para o meu primo que também gostava muito deles, e minha avó sorria com cara de quem não estava entendendo aquelas declarações todas, mas achando bonitinho.

Não sei se ele já sabia o que aconteceria em poucas semanas. Acho que sim. Acho que você tem uma percepção ao menos inconsciente dessas coisas. O fato é que naquele dia, e no nosso último encontro depois do natal, antes da morte dele, ele me deu mais algumas geléias, dessas que deixam gosto doce pra sempre na boca da gente. Dessas que valem uma vida inteira. 

Mas a tal outra coisa curiosa que disse antes é que hoje, enquanto ouvia Over the Rainbow na trilha do filme, eu pensava que a morte deve ficar over the rainbow. E que meu avô deve estar lá. E daí, bom e daí que em 2002 parece que eu já pensava algo assim...

"Domingo, 28 de Abril de 2002


E todos os dias se repetem todos os dias?


A ausência de luz...


E então o que era luz tornou-se escuridão em um segundo... O mesmo tempo que levou para ser luz, foi o tempo que gastou para (quase) virar ausência... E de repente, todas as certezas foram por terra, por uma ameaça de que a luz iria se apagar e deixar no seu lugar apenas escuridão...

Um dia, arco-íris e em um segundo, as nuvens já podem estar aparecendo... e ameaçando as cores... E de quem depende que apareçam nuvens? E quem decide a hora que o arco-íris acaba?


São poucas as vezes que eu me deparo com a certeza que nada dura para sempre, que este corpo é só matéria e que um dia ele deixará de ser... matéria e corpo... e que este dia foge a regulamentos vários, segue a lei sem-lei do destino sem destino. São bem poucas as vezes que vejo a morte passar assim, tão rente dos meus olhos, mas são inúmeras as vezes que sinto o mesmo medo. Medo por ter a certeza q está é a única certeza da vida... paradoxal, dialético, mas a única coisa que tenho certo nesta vida é a sua finitude e na busca infindada por certezas e por areias menos movediças, quando encontro um chão estável, é dele que fujo...


Sininho - Rogando por todas os seres encantados, q protejam meu doce avô, agora q decidiu viver. "





Fe Lopes - precisando de um pouco de geléia.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Mais um domingo

Eu preciso de mais um domingo. Acordei e percebi que preciso de mais um domingo. Hoje não estou com cara de segunda feira. Um domingo só não deu pra nada. Quero ficar mais um pouco na cama, almoçar de pijamas, ficar no computador fazendo nada, ler alguma coisa, escrever talvez... ver tv jogada no sofá, editar umas fotos, namorar, conversar. Só mais 1 domingo e tá ótimo. Sério. Só hoje. Que tá difícil brincar de ser gente grande, colocar roupa moderna-elegante, sapato de psicóloga-fotógrafa, arrumar os cachos revoltos - eles definitivamente precisam de mais um domigo - ir pro trabalho, comer barrinha de cereal, filé de frango com salada e suco sem açucar. Eu preciso de mais um domingo com lasagna congelada, batata ruffles, suco de caixinha e chocolate derretido. Só mais um, já tava bom, eu ficava satisfeita, prometo que não reclamava mais, até ia trabalhar amanhã de salto alto, maquiagem, assim, bem mocinha e comportada.

Fê Lopes - suspiro

sábado, 17 de abril de 2010

Lágrima

“(...) Uma linha azul aparecerá na janela redonda após 1 minuto, indicando o final do teste e que está pronto para dar o resultado. Se aparecer uma outra linha azul na janela quadrada, você está grávida (uma linha poderá ser menos nítida que a outra).”

Fe Lopes - texto da oficina de ficção do curso de criação literária. Citação retirada da bula de um teste de gravidez.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Quando ele se perdeu dela

[pq estou descobrindo que escrever é igual construção civil... então lá vamos nós começar a reforma!]

Vagava por ali, sozinho. Era noite e ele ainda era pequeno. Apesar do porte já ser imponente, e de uma ou outra presa pontuda, ele era pequeno. E era tarde pra aquele ser pequeno estar perambulando por ali sozinho.



À noite, tão escura que era, nem deixava ver o pelo alaranjado dele – que agora era da mesma cor das listras que o cortavam por inteiro.



Por mais um dia, mamãe-tigre havia deixado um tigrinho pra trás. Não que ela fizesse isto por mal, não mesmo. Mas realmente ela não tinha como cuidar de sua ninhada do jeito que eles precisavam, e então de quando em quando perdia um filhote por aí.



Mamãe-tigre perdia eram horas e horas em seus pensamentos perdidos, tingidos de noite! Tantas horas que nem conseguia ver que seus tigrinhos, cobertos de sol, urravam famintos. E foi mesmo em um destes momentos perdidos da mamãe-tigre que ele se escapou dela.



Parado, com olhos de águia assustada, viu que sua mãe já não estava mais lá. Procurou em vão pelas migalhas, aquelas iguais as do João e Maria. Pois é, não havia nenhuma, nenhuminha mesmo. Mamãe-tigre simplesmente tinha evaporado no ar. E sem as migalhas ele sabia que seria difícil encontrá-la, porque desde muito pequeno já tinha notado – encafifado - que, diferente das outras mães, mamãe-tigre não deixava pegadas por onde passava.



E o curioso desta história é que não sabemos quem havia se perdido primeiro, se ele da mãe, se a mãe dele, ou se a mãe dela mesma. O fato é que agora ele era por si só. E na sombra que se projetava na parede da caverna, ele mais perecia um gatinho assustado!



Com a noite se alastrando pelo caminho, ele foi andando o tanto que suas perninhas agüentaram – e olha que isto era muito! Já estava exausto, com sede, saudades de casa, faminto... parou, se deitou num montinho de grama perto do rio. Àquela altura a lua prateava tudo a sua volta, transformando o rio em um espelho gigante. Ele se esticou pelo chão, se arrastou até ficar cara a cara com aquele rio-espelho.



E, de repente, se lembrou que era um tigre. (E isso é muito. )


F.L. - menina-que-quer-ser-escritora rogando pra que baixe um tigre hoje a noite quando eu for ler isto na aula.

terça-feira, 16 de março de 2010

Já tudo isso? - fragmento I

Ela caminhou com passos mornos. O dia estava quente e turvo. O sol tingia tudo que via pela frente, sem dó alguma. Mas mesmo assim seus passos eram mornos. Deu então mais uns passinhos desses pequenos e contidos, e estancou na esquina-de-todos-os-dias. Respirou um tantinho, só o suficiente mesmo, e foi. Atravessou a rua e tudo lhe parecia andar em slowmotion - ela só não sabia quem tinha apertado este botão do controle remoto. As horas corriam pesadas, como se verdadeiros hipopotamos estivessem sentados nos ponteiros do relógio, dificultando o bom funcionamento das engrenagens. Curioso é que mesmo assim ela sempre se surprendia quando via que horas eram -já tudo isso? era sua fala-tique recorrente.

Cruzou a rua e então sentou na padaria xexelenta da outra esquina, pediu um pão na chapa e um guaraná zero.O telefone tocou e parecia longe, será que vinha da sua bolsa? Percebeu então que tudo lhe parecia longe. Até mesmo a bolsa carteiro que trazia colada ao corpo. Até mesmo o corpo. Que não parecia colado a nada. E por um instante sentiu o gosto da manteiga escorrer pela sua boca e, sem medo, sorriu lembrando de algo que lera recentemente, sobre enlouquecer. Ficar maluca deve ser assim, pensou. Quando tudo parece lento e longe do corpo. Incluindo o próprio corpo.

Não, não era o caso. Madá não era louca. Não ficaria louca. Não era o caso, repetiu o terceiro psquiatra que ela procurou desde o dia 12 de janeiro, quando saiu com o diploma de jornalismo da universidade - e nada mais nos braços. E por mais que naquele dia fizesse só chover e a brisa gelada fizesse tudo parecer julho, Madá sentiu morno. E esta sensação do morno, desde então, se grudou a ela com superbonder. 

Morno a rondava já alguns anos, verdade seja dita. Talvez antes mesmo que ela soubesse que aquilo era morno ele já era o monstro que assombrava suas noites suarentas de lençol grudento. Mas agora, agora morno era presente insistente. Personagem principal, cheio de falas, trejeitos e manias de artistas chatos. Exigia mais de mil toalhas brancas no camarim, não queria sair do palco de jeito algum e quando alguém o desagradava, fazia estardalhaço daqueles que dá vontade de apagar a luz e dormir até não mais acordar - nem precisa apagar a luz, na verdade. E Madá era apenas palco para morno, que as poucos ganhava letras maísculas.

(continua)

Fe Lopes - devaneios e ousadias literárias.

sábado, 13 de março de 2010

Só pra não esquecer: Me cansa a mim

Sempre que estou fora, lembro disso aqui que postei faz um tempo, ano passado. E daí ententendo tudo. E lembro, de novo, que o que me cansa é a mim mesma... E então posso ficar tranquila de novo. Pq agora eu sei fazer silêncio no (e com) barulho - e isto é muito.

Me Cansa a Mim.

Eu aprecio o silêncio. O silêncio do nada. Nada mesmo. Sem barulho. Sem corpo. Sem nada. Quando parece que meu corpo se desmaterializa e até eu mesma deixo de existir. Por alguns segundos. Não por muito tempo. Só o nada. O nada que eu curto aos domingos qdo acordo e ele ainda esta dormindo. Então me levanto, abro as cortinas - pq detesto cortinas-deprimidas-fechadas - pego uma caneca com suco, faço um queijo quente e me estiro no sofa, devorando o jornal, a e revista da Folha. Sozinha, em silêncio. Sem pressão de hora, compromisso, almoço. Um momento nada. Nem sei se estou ali mesmo. Um momento inteiramente nada. Interamente meu. Interamente cheio. Um nada, mas um nada muito cheio.

 

Eu acho que coisas demais são intrusivas e tudo que é intrusivo me cansa. Barulho demais. Estampa demais. Todos os excessos me cansam. Até carinho demais. Me invade. Não sei viver de outro jeito. Preciso, desesperdamente dos meus momentos nada. Não são exatamente os excessos q me cansam. Me cansa a mim. Pq nos excessos eu sempre tenho que ser eu por mais tempo, e me sobra pouco tempo pra mim. Não tem aquele tempo pra não ser nada, sabe? Aquele tempo nada, do vazio cheio que disse ai em cima. O tempo da bolha, lembra? Ja falei dele aqui. O tempo bolha, o respiro necessário para voltar a ser. Pra voltar. Pra ser.



Eu admiro o silencio. É isto.



Fe Lopes. - si-lên-ci-o

terça-feira, 9 de março de 2010

Rapidinhas

1. Não bocejei uma única vez na aula de criação literária - quem me conhece, sabe do que eu estou falando!

2. O contador de visitas do blog travou, daí me aproveitei do link no blog dela e coloquei um novo por aqui. Começando do zero. Ou re-começando... sei lá.

Fê Lopes - Menina-que-quer-ser-escritora.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Escreve

Hoje começou o curso de criação literária! Namoro antigo, platônico, finalmente ganhando concretude.
E resolvi postar aqui tudo que eu produzir pro curso. Mesmo que eu ache péssimo. A idéia é postar, sem grande censura. E assim imprimir um ritmo no blog também.

Então, lá vai o primeiro [tô me esforçando muito para escrever com acentuação correta, mas vai ser um processo]:

ESCREVE.

Escreve. Apaga. Volta. Rabisca. Se perde. Arrisca. Tenta. Desiste. Insiste. Idéia. Persiste. Insiste. Escreve. Escreve. Escreve. Lê. Escuta. Vê. Escreve. Apaga. Publica. Volta. Recomeça. Apaga. Começa. Termina. Amassa. Lê. Publica. Posta. Email. Facebook. Orkut. Escreve. Relatório. Fotográfa. Registra. Edita. Escreve. Escreve. Escreve. Vai pra análise. Fala. Beija. Escreve. Trepa. Namora. Escreve. Come. Bebe. Engorda. Emagrece. Escreve. Dorme. Escreve. Sonha. Escreve. Apaga. Insiste. Desiste. Persiste. Inspira. Respira. Soca. Apanha. Bate. Escreve. Luta. Estuda. Grita. Escreve. Beija. Atende. Analisa. Telefona. Faz supervisão. Escreve. Discute. Ouve. Lê. Escreve. Vê. Escreve. Beija. Escreve. Não trepa. Escreve. Faz análise. Escreve. Fotográfa. Apaga. Registra. Recomeça. Escreve. Lê. Estuda. Escreve. Deseja. Escreve. Ensaia. Escreve. Sua. Escreve. Fica. Escreve. Inscreve. Sai. Escreve. Rabisca. Desenha. Se perde. Dirige. Se acha. Escreve. Mergulha. Escreve. Dança. Escreve. Bebe. Escreve. Lê. Escreve. Psicanalisa. Escreve. Dorme. Escreve. Acorda. Apaga. Toma mais uma. Insiste. Brinca. Persiste. Escreve. Acredita. Escreve. Chora. Escreve. Surta. Escreve. Se apaixona. Escreve. Desgosta. Escreve. Sofre. Escreve. Briga. Escreve. Resolve. Escreve. Morre. Escreve. Ama. Escreve. Se perde. Escreve. Se acha. Escreve. Insiste. Escreve. Gosta. Escreve. Fotográfa. Escreve. Conversa. Escreve. Assiste. Escreve. Ouve. Escreve. Dorme. Escreve. Sonha. Escreve. Tem medo. Escreve. Faz xixi. Escreve. Tem dor de barriga. Escreve. Vai pra análise. Escreve. Telefona. Escreve. Acorda. Escreve. Trepa. Escreve. Bebe. Escreve. Come. Escreve. Atende. Escreve. Escreve. Escreve. Apaga. Volta. Rabisca. Insiste. Se perde. Desiste. Desenha. Desajeita. Se acha. Arrisca. Uma xícara de chá. Persiste. Lê. Escreve. Escreve. Escreve. Acredita. Escreve. Deseja. Escreve. É. ESCREVE (escreva). 


Fê Lopes - a menina-que-quer-ser-escritora.

domingo, 7 de março de 2010

que possamos ser cada dia mais MULHERES



Minha mãe me ensinou que a gente não devia jamais aceitar parabéns pelo dia internacional da mulher. Olho para isto hoje de um jeito um pouco diferente. Então, agora como fotógrafa, fiz este cartão com uma imagem feminina, sensual, um rosto comum, sem plásticas, lindo, e principalmente de olhar decido - daqueles que sabem quanto custa bancar seus próprios desejos. Nada daquelas fotos idilicas de mulheres meigas, fofas, rodopiando crianças pelo ar. Nada contra mulheres-que-rodopiam-crianças-pelo-ar. Mas pra mim, no dia internacional da mulher o que temos que celebrar é ser MULHER, este mulher que a gente fala com a boca cheia, sabe? MULHER enquanto ser desejante. E esta, pra mim, é uma imagem de MULHER de verdade. Portanto este flyer não é um cartão de parabéns, pq continuo concordando com a minha mãe que a questão não é dar parabéns. É celebrar, lembrar e reafirmar a importância da construção do feminino enquanto seres desejantes e que bancam seus desejos.

Este cartão que vc esta vendo aí em cima é um cartão daquilo que eu desejo pra mim e pra vc. Que possamos ser cada dia mais MULHERES.


Menina-que-quer-ser-escritora - M.U.L.H.E.R

sábado, 6 de março de 2010

Por andará Cecília?

Tenho pensado muito na Cecília.

O que será que ela fez da vida dela depois daquele dia na praia?

Não sei se dá para saber exatamente o que aconteceu depois daquele instante, porque, ao menos eu imagino, que uma série de coisas devem ter acontecido com ela, e a gente não acompanhou, não vai dar pra saber exatamente, no minuto seguinte da praia, o que aconteceu com ela.

Já sabemos que ela contemplava a vista da janela lateral do quarto de dormir - isto em algum lugar no tempo entre o depois da praia e o antes de agora. E sabemos, que nada, nunca mais, deve ter sido igual depois daquele dia - será mesmo?

Menina-que-quer-ser-escritora - não sabe quem é a Cecília? Clica aqui então!

quarta-feira, 3 de março de 2010

Divagações sobre arte e teorias...

São 11hs da noite e acabo de voltar de uma mesa redonda com este título: Corpo, Identidade e Erotismo. A mesa era composta por 2 artistas, uma curadora de arte e uma historiadora.

Este não é o primeiro evento que eu assisto relacionando arte com teoria . Não arte propriamente dita, mas o trabalho de algum artista com alguma questão teórica. Ano passado fui ver Cristiano Mascaro falar na Sociedade de Psicanálise. Mesma idéia: ele apresentando o trabalho dele e um psicanalista questionando teóricamente o que era mostrado.

Parelelo a tudo isso, acabei de ler - depois de longos, deliciosos e propositalmente estendidos, 6 meses de namoro - o livro da psicanalista e artista plástica Ada Morgenstern, Perseu, Medusa & Camille Claudel: Sobre a experiência da captura estética.

Sabe, sempre tive medo destes encontros arte e teoria. Porque os teóricos e as teorias tentam, na maioria das vezes, explicar a arte. Enquadra-la em uma interpretação, no caso dos psicanalistas, ou em uma teoria. Ada fala sobre isto no livro, da dificuldade de não encararmos a tarefa do diálogo entre arte e teoria desta forma. Mas sim como dois vetores que se afetam e produzem afetações mutuamente.

Naquele primeiro evento na Sociedade Brasileira de Psicanálise, o que aconteceu foi justamente este desastre - ou um desencontro, para ser mais polite. O artista é subversivo por definição, tentar decifrá-lo ou enquadrá-lo só há de produzir desastres mesmo - thanks god!

A historiadora que estava presente no encontro de hoje é incrível, e soube dialogar - e não traduzir - com as obras de arte apresentas -  e  também com os artistas. Entretanto, por serem tomados pela criação, noto que as vezes é difícil ao artista falar da sua criação de modo teórico - ou mesmo olhar para ela através de recortes teóricos. O artista cria num momento quase de possessão, mesmo que isto tenha levado horas de estudo ou anos de trabalho. Não importa o tempo. Me parece que é sempre um estar tomado por tal coisa. Daí a arte aparece para dar um corpo a isto que toma o próprio corpo do artista. E então o que o artista sabe dizer de sua criação acaba se materializando através do ato de expor a sua obra, para que então o expectador construa ali um sentido - triangulando com a obra e o artista.

Continuando esta torrente de divagações produzidas por este fértil encontro de hoje, tô pensando aqui que a Denise Bernuzzi Santana -  a historiadora que estava na mesa redonda - tem um trabalho que é da ordem da arte, e até acho que ela não sabe disso. Todos os textos dela, e agora as coisas ditas nesta noite, produzem este estado de enamoramento - captura, como já diria a Ada - que vivemos com a recepção de uma obra de arte. E isto me fez pensar que as vezes a arte tá em lugares que a gente nem imagina.


Menina-que-quer-ser-escritora - divando.............

Aliás, algumas frases que pincelei da fala da Denise:

"Um amor pode durar a vida intera e também pode valê-la"

"O amor não é para fazer feliz. As vezes faz."

"Hoje há o imperativo de ter prazer a todo custo. Antes, a gente se arrependia dos pecados que TINHAMOS cometido - ou achavamos que tinhamos. Hoje a gente se arrepende dos pecados que não cometemos e deveriamos ter cometido"

"A paixão nos dá insegurança. E são nestes momentos que vc abraça a própria alma."