segunda-feira, 27 de abril de 2009

Não era a hora. E por enquanto.

Ela já havia tomado a sua decisão. E era triste. Mas era dela. E a decisão deve ser, antes de qq coisa, da própria pessoa.

Por inúmeras vezes, enquanto caminhava pela rua, ouviu a musica que se conheceram. Não era delírio. Coincidência. Sinal. Sei la. Tocava cada vez que entrava num lugar. Se era um sinal, algo deveria ser decifrado, mas ela não entendeu. Nem ele, que caminhava distante, e nem ouviu a musica quando esta o chamou. A musica era dela. Assim como a decisão.

Pela primeira vez na vida, desejou morrer de verdade. Assim, num acidente, ao acaso, a cargo do destino. Por que não? Porque morrer não era um decisão que tinha que ser dela. Era do destino. E neste caso, como já decidimos no primeiro parágrafo, a decisão tinha que ser dela. E ela não havia decidido morrer.

Se deitou, adormeceu. Sonhou.

Um taxi passava para buscá-los para irem ao Aeroporto. Iam regressar para casa. Mas ela o esquecia la. Deixava ele la na calcada, com as malas e tudo. Ele, muito puto, esbravejava, mas não ia atrás dela, não telefonava, fica la distribuindo socos no vento. Ela não tinha esquecido dele, só achou que ele ia entrar no carro sem que ela precisasse chamar. Mas ele não entrou. Ela notou que ele havia ficado, só não conseguiu se impedir de sair, nem impedir ao motorista que seguisse o caminho por ela desejado. E antes mesmo do taxi percorrer um quarteirão, ela pediu ao motorista que regressasse. Pelo retrovisor ela podia vê-lo. Não o perdeu de vista nem por um minuto. Só não pode se impedir de ir. Mas também não pode se autorizar a continuar. O carro então fez meia volta, e voltou exatamente ao mesmo ponto. Ele estava la, muito nervoso. Como ela podia ter feito isto com ele, ter feito ele de palhaço, ele dizia. Inconformado. Ela, muito calma, dizia, bom, pensei que vc fosse entrar, que não precisava te chamar. Ele então entra, ainda nervoso, e eles se sentam distantes, com a bagagem a separar seus corpos, cada qual em sua janela. Olhando para o mundo. Ele inconformado. Ela plácida, como se não tivesse feito nada de errado, nem de certo. Como se tudo fosse absolutamente normal. Como se nada daquilo pudesse ter sido diferente.

Ela acordou. E não havia tristeza. Nem alegria. Nem medo. Nem dor. Nao tinha sido um sonho especialmente feliz. Nem especialmente triste. Nem especialmente especial. Tinha sido só um sonho.

E desta vez ela não soube quem era ela no sonho. Era a mulher que parte, ou o homem que fica?

Talvez os 2. Sei la.

Então ela entendeu tudo. E decidiu que não dava para ser diferente por quanto. Não era mais hora para chamar, chamar, chamar e chamar para seguir um caminho que, bom, ele não precisava de convites. Nem ela. Eles ja se chamaram o tanto quanto puderam. Gritaram ate não haver mais voz, nem forças, nem nada. Não dava mais para chamar, ela sabia, mas ela decidiu que, por enquanto, ainda também não dava para o taxi partir solo. Porém também não cabia mais ficar aguardando na calcada, lutando com os moinhos de vento.

Por enquanto.

E por enquanto, era so isto mesmo que ela havia decidido. E so isto, ja era muita coisa.

Por enquanto.

Fe Lopes – por enquanto.

Rapidinhas sobre A Menina que Roubava Livros

Queria ter conhecido a Liesel, a roubadora de livros. Queria ter ouvido Hans Huberman tocar acordeão. Queria ter tomado sopa de ervilha da Rosa Huberman. Queria ter visto Rudy ganhar as corridas.

Na verdade, acho que eu não queria ter conhecido a Liesel. Queria ter sido ela e sua vida cheia de palavras. Um livro e um personagem só são bons pra mim quando me capturam de tal modo que quando vejo, eu mesma sou a personagem. Já estou no corpo dela.

Antigamente eu devorava um livro em 1 semana, 2 no maximo. O tempo era o que contava. Hoje em dia, levo semanas, meses as vezes, para terminar um livro. A historia e que me importa. E no geral, fico muito nostálgica dos personagens quando um livro que eu gosto acaba. Durante a leitura vou me apaixonando por eles e dai abro um espaço aqui dentro para que eles se plantem em mim. Rego aos poucos, vejo crescer e tals. Por estas e outras, fico com saudades deles quando o livro acaba. Eles ficam vivos ainda por muito tempo dentro de mim, e fico maluca de não saber mais o que acontece com eles, aonde estão, como estão… Então, como a despedida e inevital, aprendi a ler devagar, assim os acompanho mais um tanto e fico com eles mais um pouquinho junto comigo.

Vença as primeiras paginas não tão encantadoras, q vc não vai se arrepender.


Fe Lopes – também quero uma historia contada pela Morte.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Princesa Olhos D´água

"Leve na lembrança
A singela melodia que eu fiz
Pra ti, ó bem amada
Princesa, olhos d'água
Menina da lua
Quero te ver clara
Clareando a noite intensa deste amor
O céu é teu sorriso
No branco do teu rosto
A irradiar ternura
Quero que desprendas
De qualquer temor que sintas
Tens o teu escudoO teu tear
Tens na mão, querida
A semente
De uma flor que inspira um beijo ardente
Um convite para amar"
Menina Da Lua/ Maria RitaComposição: Renato Mota



Princesa Olhos D´agua chega com seus olhos cristalinos, eternamente vermelhos e mareados. Olhos mareados de quem contem um mar de dores a serem contadas. Mareados de quem naufragou em seus quereres e se apoia em bóias para não afundar. Mareados de quem tem pavor de maremoto, e ao mesmo tempo o deseja, quem sabe as coisas não se movem?

Conta do amor, que era pouco e há muito se acabou. Era pouco, mas era la uma bela boiá a mantê-la longe do afogamento. Era pouco mesmo? Pouco ou não, não importa. Importa que era. Separados há muitos anos, Princesa se assustou com o pedido de divorcio do marido. Agora é pra valer, parece. E parece que ele seguiu, em busca dos seus desejos por aí. E a Princesa?

Princesa se re-sente - e ainda há muito o que re-sentir - e cola-se no menino, nadando abraçada a ele, como se fosse sua (única) boia salva-vidas. E e de fato, menino se torna sua boia - agora menino também ganhou uma função. Ela emerge, enquanto ele vai indo para um oceano de loucura sem fim. Loucura triste, triste loucura a dele.

Não, não fique com raiva da Princesa Olhos D´água!! Ela não faz por mal. Ela nem sabe que faz. Era a morte, e ela escolheu a vida.

Nesta navegação, Princesa e Menino-Boia andam tão coladas que as vezes, ao longe, não distingo quem é quem. E por tantos momentos vou me perguntando de quem eu cuido, hein? - ah, sim, Princesa é minha paciente - E me embaraço nesta rede, sou pescada por ela, quantas e quantas vezes. É preciso um farol, que me lembre qual a direção da navegação.

Não há carta, ou mapas a seguir. E seguimos aí, pelos caminhos do mar. As vezes o mar nos trás o passado, as vezes nos trás o futuro das coisas que não se foi, não se fez, não... as vezes, mais gentil, o mar nos convida a ver o futuro das coisas que podem ser - por que não?

Em nosso último encontro Princesa Olhos D´água derramou um tanto de mar. E se fez chuva em seus olhos, desabotoados, escorrendo dores e lembranças daquelas que queimam conforme se deixam passar pela pele, sabe? Pois bem, escorreu, choveu, com muito custo, muita dor. E eu, que há tempos vinha pensando que havia tanto a chorar por estes olhos sempre chorosos, tive que pedir que ela deixasse chorar! Princesa deixe chorar, que teus olhos já são água há tempos. E eu que, não entendia antes porque não chorar, percebi que quando a lágrima escorre, ela deixa um rastro na pele como tatuagem, e daí não dá para esconder, nem se esconder.

Quando chora Princesa Olhos D´água solta a Boia. Afunda um tiquinho, é verdade, mas pode emergir sem a boia depois. Quando solta a Boia, ela é só Princesa. E a Boia pode, então, ser so Menino - mesmo que por um instante um.

Quando Princesa Olhos D´água saiu pensei que, quem sabe agora ela e o seu desejo de viver outros papéis, possa então ensaiar outros jeitos de habitar seus olhos. Ou talvez sejam os olhos que possam olhar para outros jeitos, de outros jeitos. Vai saber.
Fe Lopes - seguindo junto na navegação.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Muito Prazer: Fe



Eu sempre tive medo da possibilidade de ser careta. E era a patricinha americanizada numa escola cheia de hypiies de boutique. Mas sonhava em andar de calca big.


Eu sempre tive medo de ser careta. E casei de branco, veu e grinalda. Mas de cabelos cacheados. Tudo isto antes mesmo de fazer 25 anos. E na igreja ca-to-li-ca. Com um musico, 17 anos mais velho do que eu, que adora meus tenis coloridos - devia ter casado de tenis.


Eu sempre tive medo de ser careta, e dizia que queria morar sozinha. Mas quando fiquei 3 meses no intercambio morri de saudades da minha familia. Tanto, tanto, que voltei doente. E hoje adoro ficar sozinha na minha casa, tomando uma cerveja e adormecendo no sofa com a tv ligada.


Eu sempre tive medo de ser careta, e falava mal do Freud por aí, porque ele já esta demode. E hoje faco formação em psicanálise - da criança - e análise 2 vezes na semana. Mas continuo detestando este mundinho psi que so conversa entre si.


Eu sempre tive medo de ser careta. Faço analise. Mas tomo ritalina, adoro neurociências e não acho que todo mundo precisa fazer análise na vida.


Eu sempre tive medo de ser careta. Mas na hora de decorar meu consultorio, escolhi a berger - isto mesmo que vc esta pensando, aquela poltrona bem careta. Roxas. Mas sao bergers.



E eu realmente sempre tive medo de ser careta. E dai fui estudar fotografia. E agora, amo fotografar casamentos, assim, bem careta mesmo. A macunaima dos fotografos. E que faz fotos nada caretas, de um evento careta-pequeno-burgues. Faz pq acha que nao tem nada de careta nestes tais ritos de passagem.


Eu sempre tive medo de ser careta. E gosto de livros comuns. E tenho sono em muitos daqueles intelectuais que você sabe bem quais sao. Mas gosto de escrever. E odeio palavras difíceis e a cara daqueles que as dizem.


Eu sempre tive medo de ser careta. E gosto da Shakira, da Madonna. E nao gosto do Funk como Le Gusta - muito me custa! Mas gosto da Laurie Anderson, Merdith Monkey e ate do Milles Davis eu gosto - pq eu, que sempre tive medo de ser careta, achava careta esta coisa intelectualoide de gostar de Milles Davis.


Eu sempre tive pavor de ser careta. E vou ao cinemark com prazer. E detesto filme em que eu nao entendo nada, e que sai todo mundo sem entender, fingindo ter entendido. E detesto tambem filme cheio de gente, passando correndo pela tela. Sento no cinemark, mas quero ver filme europeu.


Eu sempre tive medo de ser careta.

Eu sempre tive medo de ser.
Eu sempre tive medo da minha cara.
Eu sempre tive medo da minha estampa. Criança muito alta, ultima da fila. Fora do peso, precisa emagrecer essa menina. Sempre errada. Sempre errante. Feiosa. Sempre fora do padrão. Nem careta, nem vanguarda, nem nada. Sempre fora de prumo. Tudo tão a frente do tempo, e ela aqui, no consultorio. Que demode.Tantas areas novas, tantas coisas a experimentar, paises a conhecer. E ela aqui, casada. Esta coisa careta. Sempre assim, eu, sem encaixe. Fora do tempo, do compasso. Muito morena pra ser branca. Muito branca pra ser neguinha. Cabelo cacheado. Cabelo ruim. Sempre errada! Vamos alisar, entao? Uma progressiva? Nao, chapinha é careta. Vamos deixar enrrrrrrrolado. Sempre há um jeito certo a seguir, nao ha?


Quer saber?

Puta coisa careta esta de ter medo de ser qualquer coisa, porra.


E quer saber do que mais? Muito prazer, Fe - curtindo muito a sensacao inedita de habitar, deliciosamente, o proprio corpo-mente-espaço-tempo.






Fe Lopes - do all star colorido, a sapatilha prateada, todos servem nos meus pes.