sábado, 11 de setembro de 2010

Coração e Periquita


Já sabia as letras do alfabeto. Mas ainda não sabia desenhar coração. A professora falou na aula de artes que primeiro era pra fazer uma metade, depois a outra. A parte das metades ela até já conseguia, o difícil mesmo era juntar os dois lados no final.

- Mãe, desenha um coração pra mim?

A mãe lhe entregou o papel, e ela preencheu o desenho com duas letras maiúsculas e uma minúscula no meio: R e F. Completou com uma flecha. Dobrou pontinha com pontinha duas vezes antes de sair pro quintal. Andou cuidando pro papel não voar das mãos dela e ir parar na porta errada. Trepou no banco rente ao muro e jogou o coração pro vizinho. Pronto, sorriso no peito.

Distraída, não viu a avó regando as Marias-sem-vergonha.

- Que é isso menina? Lea corre aqui que a menina jogou um papel na casa da Vera.

- Era pra isso que você queria que eu desenhasse o coração, moleca?

-Tem que cuidar dessa menina, Lea. Já falei que ela tem fogo demais na periquita.

- Mas foi um coração, não um periquito que eu pedi pra você desenhar, mãe.

- Cala a boca e vai pegar aquele papel antes que alguém veja.

- Ta, mas é que...

- Sem um pio. E vai agora, que eu tô mandando. E joga fora, que se seu pai ver...

Engoliu a raiva, o pio e com uma cara amarela pulou o portão. Recolheu do quintal do vizinho as duas letras maiúsculas e uma minúscula, a flecha e o coração. Mirando sua casa com olhos apertados e fazendo bico, dobrou mais uma vez o bilhete.

- Aqui a mãe e a vó não se metem. – falou isso enquanto guardava o papel dentro da calcinha. Pertinho da periquita.

*primeiro texto elaborado para a oficina do Marcelino Freire no b_arco*

Fê Lopes - uma nova versão, para uma velha canção.

4 comentários:

Jú Pacheco disse...

Adorei!
E adorei o layout novo!
Bonito azul!
rs...

Brunno disse...

Para ser tocante, basta ser sincero. Não é preciso inventar: a beleza se enxerga no cotidiano.

E tem tantos escritores por aí que querem enfeitar o pavão, quando a beleza dele está na naturalidade.

Escrever é isso: falar a língua que todos entendem. Os textos que são universais não o são porque tratam de temas absurdos, complexos ou fantasiosos. O universal está em, daqui a cem anos, alguém ler esse texto e dizer: "eu já passei por isso. Gosto dela: ela fala a minha língua".

=)

Keep going!

Rafa disse...

Adorei! Eu gosto de criança assim, com atitude! Rs

Unknown disse...

Adorei!!!
Pronto! Agora está comentado!