segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Logo é agora

Um dia, eu tinha 8 anos, e num aniversário ganhei um diário da Hello Kitty, com chave e tudo. A partir daquele dia, nada mais seria igual. A partir daquele dia eu descobri o tal espaço íntimo, dei voz a minha voz interna e fiz das palavras meu refugio mais pessoal. O mundo todo em volta poderia tentar me disciplinar, mas eu sempre teria meu diário da Hello Kitty pra pensar, escrever e ser do jeito que eu quisesse. A  escrita foi, então, minha âncora que ancora eu em mim mesma, independente da tempestade ou do  tsunami lá fora -e é assim até hoje. 

Por gostar tanto de  ler e de escrever, decidi aos 10 anos que queria ser escritora. E daí pedi uma máquina  de escrever de natal, pra já ir começando a escrever logo. Mas eu não sabia direito o que fazer com a máquina, o papel e as letrinhas. Só continuava com o diário, que já não era mais o da Hello Kitty. Depois que li O Diário de Anne Frank, passei a caprichar mais nos meus diários, vai que algum dia, quando eu morresse, alguém descobrisse meus diários e resolvesse publicar?

Eu que sempre fui fascinada por escritores, um dia conheci uma delas. E fiquei encantada com tudo que era dela. O cabelo. Os brincos. O chá. As cores. As prateleiras abarrotadas de livros. A mesa de madeira. Tudo. E disse a ela que gostava muito de escrever, que sempre quis ser escritora, e então ela me questionou se eu achava que escrevia para mim, ou para os outros... Fiquei com este eco na cabeça anos... fico ainda... difícil pergunta. Difícil respota.

Meu primeiro texto ficcional - fora os de escola - foi Telegrama. Uma história minha, que ficcionalizei, criei personagens, e fiz dele um conto. Escrevi pra mim. Mas fiz dela algo que, após terminado, queria que fosse lido pelos outros. Acho que deste jeito cria uma mediação, pra mim, pra vc... e daí eu posso me relacionar com as histórias de um jeito diferente.

Escrevi estes posts sobre o meu avô pra mim. Pq é assim que sei cuidar de mim: escrevendo. Assim que eu vivo meus lutos. Assim que eu vivo as minhas coisas difíceis. Assim que eu digo que eu te amo. Assim que eu sei ser interessante. Assim que eu vivo meus amores. Assim que eu te paquero. Assim que eu te seduzo. Assim que vc sabe que eu gosto de vc. Assim que eu sou divertida. Assim que eu sou intensa. Assim que eu sou inteligente. Assim que eu sou prolixa. Assim que sou profunda. Assim que eu sou raza. Assim que eu sou. Ponto.

Mas ao terminar de escrever estes posts sobre o meu avô, após a morte dele, senti que queria que estes textos fossem compartilhados com a minha família, que pouco, quase nada, sabem do que eu escrevo - pode traduzir aí: pouco sabem do meu espaço interno. Queria pq queria que soubessem que eu não tô passando ilesa por tudo isso, mas que eu tenho um outro jeito, talvez até mais solitário, de elaborar estas (e outras) coisas. E ser  assim não é uma escolha, não me faz melhor ou pior. É uma condição de existência mesmo. Não dá pra ser  de outro jeito. Poder dividir estes textos com a família foi um jeito de quem sabe compartilhar -  algo que em família eu realmente faço com dificuldade.

E daí, depois de enviar a todos por email - devidamente excluindo o endereço do blog, pq daí ainda não dou conta - senti que aquele logo lá que eu queria que começasse logo quando eu tinha 10 anos era o logo de ser pessoa, e não escritora. Aquela pessoinha lá com sede de ser escritora - ou aquela escritora com sede de ser pessoa - realmente vem fazendo da escrita sua possibilidade de ser pessoa. E depois de compartilhar meu texto-pessoa com a minha família eu senti que eu já sou escritora, e entendi que a resposta para a pergunta daquela escritora é que eu escrevo pra que eu possa compartilhar algo de mim com os outros. E então eu vi que o logo de 17 anos atrás é agora. Porque agora eu não tenho mais (tanto) medo desta pessoa que escreve os textos -  e daí talvez dê pra não ter medo de ao compartilhar, perder minha liberdade, mas isto já é outro post.


F.L. - sem tempo para perder.

Um comentário:

Jú Pacheco disse...

Ahhh, que linda!!
E, aproveitando a escrita pra dizer coisas que a gente não diz mto de outro jeito:
Eu já disse que te admiro mto!!
:)
Mesmo!!
Feliz encontro do-quinto-ano-pra-sempre. Quero mais ensaios, mais almoços... que nós duas somos, assim, meio bravas, e as vezes sai um pouco de faísca (não sai?!), mas quer saber (?) eu só perco tempo friccionando quando acho que vale muuuito apena. E com você, cara-amada-querida Lopes, vale!!

PS. tá vendo? além de ter barriga sequinha eu ainda sei ser meiga! rs...