sábado, 9 de janeiro de 2010

É preciso estar muito vivo para poder morrer.

Ontem, tomando uma cerveja com minhas amigas, disse que não havia viajado porque meu avô estava na UTI, e daí cometi um lapso ao dizer que se eu fosse ia ficar na UTI, ao invés de dizer que ia ficar com a cabeça na UTI. Talvez eu tenha estado mesmo na UTI todos estes dias.



Dormindo, ele veio me visitar em sonho. Estava no hospital, deitado, bonito, corado, talvez até mais jovem. Eu conversava com a médica, que ia me passando as informações sobre ele. Estavamos aos pés da cama, ela de costas pra cama e eu de frente. Quando olhava pra ele, ele estava sem o tubo, respirando e de olhos abertos. Eu ia até ele, surpresa e dizia, “nossa vô, vc tá respirando! Tá acordado!!! Vc lembra como foi ficar sedado estes dais todos?” Passava a mao na cabeça dele e dizia “qta saudades que eu senti de vc!” Entao ele, mto tranquilio, me dizia, “filha, o que o vô tá fazendo aqui? o que aconteceu?”. Eu lhe contava que ele havia sido internado no dia 01, pq tinha passado mal, com desconforto respiratório, daí ele tinha sido entubado para poder respirar, e que teve pneumonia dupla, infecção generalizada, e que tinham sedado ele pra ele não se debater com o tubo. Ele ficava surpreso, e eu questionava, também surpresa, se ele não se lembrava de nada. Ele dizia que não. Eu contava que nós fomos visitá-lo todos os dias e então ele dizia que queria levantar e ir ao banheiro. Daí se levantava, estava de shorts, barrigão de fora como ele sempre ficou, e então íamos para casa. A casa da minha avó, mas era toda branca e estávamos todos de branco – eu, meus pais, minha avó, meus tios e tias, minha irmã, meu primo e o meu marido – só quem não estava de branco era meu avô, que vestia shorts laranja. Chegávamos la e todos se admiravam ao vê-lo ali. Daí ele se sentava no sofá, no meio de todos nós e então meu tio dizia que ele tinha q voltar pro Hospital, pq o pé dele estava mto inchado e que a médica ficaria mto brava se soubesse que ele tinha saído de lá. Ele levantava o pé, todos nós viamos como estava inchado, e então ele dizia que sim, que iria voltar, só queria ir ao banheiro primeiro.


Daí eu acordei.


E algumas horas depois ele de fato saiu de seu estado de suspensão, em que ele não sabia mto bem onde ele estava e porque, aquele lugar de entre que a UTI e a sedação vão produzindo. Agora talvez sabendo tudo o que estava acontecendo. Então ele saiu do entre, voltou para hospital, bem na hora da visita em que minha avó – seu grande amor – e um dos meus tios estavam ali, vendo ele. Aí ele viu os dois, disse um adeus tranqüilo, pq já não se sentia mais perdido e nem confuso, não tinha mais medo, pq tb sabia que tinha tido os 83 anos mais incríveis que ele poderia ter, e que todos nós sabiamos disto, do presente que foi ter ele com a gente este tempo todo!

Só faltava uma coisa.

E daí ele adentrou novamente aquele corpinho sedado, e neste instante o coraçãozinho que tanto trabalho deu pra ele a vida toda, se sacudiu todo, e ele, desta vez muito vivo, pode então se deixar morrer.

E agora não faltava mais nada.






F.L. - triste, mas inteira.

"Quem sabe o que se dá em mim?



Quem sabe o que será de nós?


O tempo que antecipa o fim


Também desata os nós


Quem sabe soletrar adeus


Sem lágrimas, nenhuma dor?"

Ney Matogrosso

3 comentários:

Jú Pacheco disse...

Amo a música e amo mais ainda quem sabe fazer, destes momentos tristes, um lindo texto!

Beijos e a velinha já acendeu e apagou. Pronto, agora é ele lá, encantadíssimo.

Geraldo disse...

E que Deus o abençoe e a vc e a todos os seus!
Geraldo

Paula disse...

chorei... vc já tinha me contado, mas como é diferente!