Nao se viam ha anos. E nestes anos, a vida tinha acontecido muito para ambos. Ele ganhou peso, ela ficou mulher. Mas o olhar de meninos timidos, de meninos que fazem bagunca e sao pegos pela mae... este olhar permanecia exatamente o mesmo. Uma timidez muda, como ela sempre definiu o olhar dele.
Acho que primeiro ela se apaixonou pelos olhos. Um amor fragmentado mesmo, mas encantador como sao todos os primeiros amores. E primeiro foi isto mesmo, ela amou muito aqueles olhos translucidos de tao claros, tao incertos, tao inseguros, tao ingenuos. E dai amou a voz. A voz que contava as historias de finais felizes para sempre. Depois amou os cabelos amarelos, baguncados, tolos, desajeitados... como ele todo. E dos cabelos, foi somente um paco, pequeno, para passar a amar ele todo.
E em algum espaco do tempo, eles se encontraram. E se amaram muito mais que muito, incertos, inseguros, timidos, avidos, curiosos, como se amam todos os primeiros amores. E acabou. E o tempo passou. E ela ficou fixada no tempo e nos olhos translucidos por um tempo. Ate que o tempo mesmo se encarregou de leva-la para longe dali.
Nao muito longe, alguns diriam.
E entao, de volta a cidade empoeirada aonde se conheceram, eles se viram. Anos depois, como assinala o inicio desta historia. Ela estava acompanhada da familia toda, da melhor amiga, do marido, dos pais... todos indo visitar aquele lugar esquecido pelo tempo.
E por um instante, o tempo se congelou e ele entrou, leve, pela sala do saloon. Como em um filme de faroeste antigo, tudo pareceu nao se mover. Entrou ele, seus olhos translucidos, sua voz de historias de finais felizes, seus cabelos desajeitados, e sua linda esposa. Entrou sem saber que ela estaria ali. E, sem tempo, os olhos se cruzaram como se fosse obvio. E ela tremeu, e o estomago congelou e pensou, sera que meu cabelo esta arrumado? E ele, quanto tempo, ainda tinha aquele olhar timido mudo, que ela sempre tanto amou.
E porque parecia obvio, um nao conseguia desgrudar os olhos dos olhos do outro - olhos translucidos, diz a velha lenda, sao apaixonadas por olhos de noite escura - e por horas e horas os olhos foram seguindo um ao outro, sorvendo os pedacos do corpo, fazendo amor assim, a distancia, calados, timidos, mudos. Apaixonados, como sempre. Tragados, como sempre, por este lugar no tempo em que o tempo parecia nao passar.
Ela foi assinar o livro de presenca no bar - porque um bar tem livro de presenca? - e entao, ele veio atras dela. Ela sabia q era ele. E ele colocou a mao por dentro da blusa dela. Em suas costas. A mesma mao que ha tempos, insegura e lepida, procurava conhecer o corpo dela. Colocou a mao e deixou la. Um segundo de eternidade. E ela tremia, e suava e deliriva. Um encontro no tempo, sem tempo para acabar, era so isto que ela queria. So mais um e fim, ela jurava, e jurava que depois deste, moveria-se no tempo em direcao a um novo tempo.
E estranho, ela sabia que mao em suas costas era dele. Sentia seu cheiro em seu pescoco, praticamente via seus olhos por sobre seus ombros. Mas ao mesmo tempo, que coisa, lhe parecia a mao do marido. Pq ele, ele nao era homem de mao nas costas, delicadeza, carinhos, afetos. Nao assim. Este era seu marido-porto-seguro do curso do seu rio. Isn't ironic, don't you think?
Enfim, estranho ou nao, ele se foi, mudo. E mudos, marcaram este encontro. Abril era a data, e ela queria que o tempo passasse rapido, ate re-ver, re-ter aqueles olhos por mais um tempo. Ironic, abril... o mes da mentira. Das mentiras que se sustentam no tempo, se controem no tempo, e com tempo se sedimentam nas neuroses de mentira, que mantemos, mentirosos, como diques, para nao olharmos para o fato de que, o tempo, que ironic, passou. E ja nao e sem tempo o tempo de perceber que, que ironic, esta historia nao foi este encanto todo que por tanto tempo, ela desejou que fosse. Foi so um tempo.
F. - sonhos malucos; as saudades daquilo que eu queria ter vivido; e as ironias do tempo.
P.S.: Nao, eu nao desisti de usar acentos. Mas e que meu teclado do notebook nao coloca acentos...
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