sábado, 24 de abril de 2010

Geléia, arco íris e outras saudades

Sabe, fazem alguns dias que só penso no meu avô, que esta semana teria completado 84 anos. Hoje especialmente. Daí, agora enquanto revirava os arquivos do meu blog antigo, buscando um texto para ela, encontrei isso que segue ao final deste post.

Em 2002 eu já escrevia blogs. E em 2002 meu avô teve um princípio de enfarte. Foram longos dias entre UTI, quarto, decisões e finalmente o retorno para casa. Dias asfixiantes, eu diria. Ninguém queria que eu fosse visitá-lo, porque temiam que ele ficasse muito emocionado. Mas eu fui mesmo assim. E encontrei ele ali, sorridente e mal humorado de não poder ver o jogo do timão. Abriu a gaveta do criado-mudo e tirou dela aqueles tabletinhos de geléia. Me deu todos e disse que tinha guardado pra mim e pra minha irmã. E eu achei aquilo uma das coisas mais amáveis do mundo todo. Meu avô, ante toda a sua chucrice, era uma pessoa muito carinhosa, mesmo.

E sabe de uma coisa? Agora, enquanto escrevo esta história, 8 anos depois desta cena no hospital, me dei conta de algo curioso.  Não sou uma grande fã de culinária. Comecei a cozinhar somente quando sai de casa, há 5 anos. Nem gosto muito de geléia. Mas essa é a única coisa que eu gosto de verdade de cozinhar. Não gosto de comer. Gosto de fazer. E nas poucas vezes que fiz, ele sempre era o meu primeiro presenteado. O que isto quer dizer? Não sei... talvez sobre esta doçura dos pequenos gestos, dos pequenos presentes, as doçuras que nos presentificam para o outro nos momentos mais difícieis.

E para completar as curiosidades da noite de hoje, enquanto eu re-via Encontro Marcado - aquele filme que o Brad Pitt é a morte - continuei a pensar muito no meu avô, evidentimente. Daí olhei para as minhas unhas pintadas de azul-claro-cor-de-confeito-para-doce-de-criança, e pensei que brincadeira ele diria. Então lembrei que no natal elas estavam dessa cor também. E enquanto eu pintava naquele dia, já imaginava que ele ia me encher muito - como eu adorava que ele fizesse. Mas quando ele viu, achou bonito! E antes de ir embora, passou a mão pelo meu rosto e me disse "o vovô te gosta muito, viu", me deu um beijo na testa, falou para a minha irmã e o para o meu primo que também gostava muito deles, e minha avó sorria com cara de quem não estava entendendo aquelas declarações todas, mas achando bonitinho.

Não sei se ele já sabia o que aconteceria em poucas semanas. Acho que sim. Acho que você tem uma percepção ao menos inconsciente dessas coisas. O fato é que naquele dia, e no nosso último encontro depois do natal, antes da morte dele, ele me deu mais algumas geléias, dessas que deixam gosto doce pra sempre na boca da gente. Dessas que valem uma vida inteira. 

Mas a tal outra coisa curiosa que disse antes é que hoje, enquanto ouvia Over the Rainbow na trilha do filme, eu pensava que a morte deve ficar over the rainbow. E que meu avô deve estar lá. E daí, bom e daí que em 2002 parece que eu já pensava algo assim...

"Domingo, 28 de Abril de 2002


E todos os dias se repetem todos os dias?


A ausência de luz...


E então o que era luz tornou-se escuridão em um segundo... O mesmo tempo que levou para ser luz, foi o tempo que gastou para (quase) virar ausência... E de repente, todas as certezas foram por terra, por uma ameaça de que a luz iria se apagar e deixar no seu lugar apenas escuridão...

Um dia, arco-íris e em um segundo, as nuvens já podem estar aparecendo... e ameaçando as cores... E de quem depende que apareçam nuvens? E quem decide a hora que o arco-íris acaba?


São poucas as vezes que eu me deparo com a certeza que nada dura para sempre, que este corpo é só matéria e que um dia ele deixará de ser... matéria e corpo... e que este dia foge a regulamentos vários, segue a lei sem-lei do destino sem destino. São bem poucas as vezes que vejo a morte passar assim, tão rente dos meus olhos, mas são inúmeras as vezes que sinto o mesmo medo. Medo por ter a certeza q está é a única certeza da vida... paradoxal, dialético, mas a única coisa que tenho certo nesta vida é a sua finitude e na busca infindada por certezas e por areias menos movediças, quando encontro um chão estável, é dele que fujo...


Sininho - Rogando por todas os seres encantados, q protejam meu doce avô, agora q decidiu viver. "





Fe Lopes - precisando de um pouco de geléia.

3 comentários:

Jú Pacheco disse...

Hmmm, sei lá, dessas coisas da macumba: o arco-íris é Oxumaré, do amor e dos infinitos-finitos, dos ciclos de chover e parar e vir sol... ele é o senhor das forças que dirigem o movimento...

Enfim, com certeza, vôzinho agora é algo como o arco-íris e suas cores.

Paula disse...

Fe,
Li, li tudo, li desde o começo. Li mesmo.
Parabéns pelas produções. Você está se superando.
Espero que encontre aqui as soluções (sacos de pancadas, ouvidos sem boca, potes de geléia, abraços quentinhos, brigadeiro de colher, fofoca, ou mesmo um porre daqueles) que procura.
Sempre que precisar, estarei por aqui (meu forte definitivamente não são abraços quentinhos, mas se precisar, prometo usar muitas blusas!).

R.R.Amaral disse...

Lindo!!! Adorei o post. Me fez lembrar de um passado não muito distante e extreamente semelhante ao seu.
Sucesso!
Beijos!!!