segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Sobre o reconhecimento do intolerável by Ju Pacheco

Antes do ano acabar, fiquei com vontade de publicar este texto, de uma amiga.
Pra gente não esquecer.
E pra me ajudar a lembrar do que eu tenho fome.

Quarta-feira, 22 de Outubro de 2008

Sobre o reconhecimento do intolerável
"Minha nega me pediu um vestido
Novo e colorido
Pra comemorar
Eu disse: Finja que não está descalça
Dance alguma valsa
Quero ser seu par
E ao meu amigo que não vê mais graça
Todo ano que passa
Só lhe faz chorar
Eu disse: Homem, tenha seu orgulho
Não faça barulho
O rei não vai gostar"
(Chico Buarque - Ano Novo)
Quando comecei a grafitar, bolei um stencil que dizia
"O que você tem feito de você mesmo?"
Logo em seguida me veio a idéia de um bonequinho * bem tôsco, de cabeça baixa e tristonho e ele acompanhava o tal stencil. Logo quando acabei meu painel na Lapa saquei que queria que o meu bonequino dissesse também outra coisa:

Não finja que não é intolerável

Eu queria que ele dissesse isso. Ele, na verdade, quando perguntava "O que você tem feito de você mesmo?", queria principalmente lembrar daquilo que aparece como algo intolerável na nossa vida e que fingimos não perceber, toleramos. Muitas vezes, inclusive, investimos. Muitas vezes investimos no intolerável.

O intolerável se fez muito presente na minha vida muitas vezes. Acho que é assim com todo mundo. Mas a sensação de que era preciso parar de fingir que ele não existia só se fez gritante no começo deste ano. Eu já escrevi sobre isso aqui: um trabalho, uma coordenação intolerável, abusos, rompimento de contratos, humilhações, situações violentas em todos os sentidos.

Demissão. Foi preciso assumir o intolerável e denunciá-lo.

Acho que é sobre isso que queria falar aqui, hoje. Na realidade, é óbvio, sei que estou precisando relembrar em mim que é preciso parar de fingir que não é intolerável e denunciar. Acontece que denunciar o intolerável implica romper situações, relações, assumir riscos e construir outros caminhos. Muitas e muitas vezes toleramos o intolerável pelo medo do que virá depois da denúncia, o que perderemos, a que desconhecido teríamos que nos abrir após deixar de tolerar.
O intolerável não tem a ver com algo moralmente colocado como inaceitável. Não tem a ver com regras determinadas que são rompidas. O intolerável se mostra no corpo, nos efeitos que tem sobre o corpo. Cada um sabe o que lhe é intolerável porque seu corpo lhe diz, seu corpo sente. Sente a despotência que o intolerável lhe causa, o tremor, a sensação de desfalecimento, o entristecimento. O intolerável é a simulação de um campo de concentração da vontade e da alegria: as mata aos poucos.

Um dia postei uma aula de Deleuze sobre Espinosa aqui no blog e, nela, Deleuze dizia que a alegria é inteligente e nos faz inteligentes. Outro dia estava com uma sensação muito boa e de repente me dei conta que se tratava exatamente disso: depois de tanto buscar entender o que me faz alegre, o que me potencializa e, ao entender, poder ir buscar por experiências que vão neste caminho, é muito mais fácil pra mim perceber rapidamente o que me entristece e agir no sentido de dizer "não! é intolerável!!".

* Tem fotos deste tal bonequinho e do stencil aqui no blog, lá pelo mês de Maio.

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