Na esteira do adeus, um texto de ficcao...
Eu me matei no chuveiro
Eu me matei no chuveiro. Era anti véspera de natal e eu me matei no chuveiro. Não foi nada premeditado, apenas aconteceu. E eu so fui me dar conta quando ele abriu a porta do banheiro e eu vi seus olhos esbugalhados olhando meus pés roxos. A boca dele aberta, um grito, e eu nada ouvi. Naquela hora me dei conta que aquele pe roxo era meu. Era eu ali, pendurada na mangueira da mini ducha. Estava morta e ele gritava, mas já não ouvia mais suas preces. Parecia absorto em sei la que pensamentos. Que cena. Eu via tudo de perto, mas de longe ao mesmo tempo. Que cena.
Aos poucos o filme foi passando pela minha cabeça. Era anti véspera de natal e eu tomava uma ducha. A dor nas costas me dilacerava, e então sentei no chão do box e fiquei ali, passando a mini ducha pelas minhas costas. Quem sabe me senti-se melhor. Não estava deprimida, não estava maníaca, nunca consultei um psiquiatra. Acabava de entrar num novo emprego, comprar uma casa nova, um cachorro, trocar meu carro. Minha família me amava. E eu tinha um marido que me amava também: me amava assim como se ama uma santa e me comia, assim, bem assim como se come um bela de uma vagabunda! E tinha filhos também, dois. Adoraveis, iam bem na escola, obdientes, lindos. Ate tinham sido convidados para o comercial de final de ano do shopping. Um luxo so. O que mais poderia querer? Pois e, não sei. Alguma coisa estava fora da ordem e tudo, de fato, não parecia nem dark nem shinning. Parecia cinza.
Eu era mediocrimente feliz.
E daí, naquela hora no chuveiro, pensava em Mrs. Dolloway e as flores que ela precisava comprar. Entao olhei meus pés, minhas unhas vermelhas estavam lindas. A foto me pareceu maravilhosa e então tive a idéia. Vi a manchete do jornal e imaginei que Tarantino filmaria esta cena. A idéia foi me parecendo formidável aquela altura. Aqueles pés pedurados, já meio roxos, somente as unhas vermelhas, meu corpo nu, meio úmido, pendurado pelo fio da mini ducha. Achei a foto divina, cheia de bossa. Não me parecia trágico, depressivo, agressivo. Não me parecia. (Mas foi, eu sei) Pensei que poderia ser mais interessante se eu fosse uma junk qualquer. Ia ficar mais bonito com os olhos borrados daquele lápis preto que so quem e realmente junk sabe usar. Aquele banheiro sujo, a roupa preta pelo chão, e a mulher de lápis borrado e cabelos loiros cheios de raiz preta ali, de unhas vermelhas nos pés, ligeiramente descascadas, ali, inerte. Ia combinar mais do que meus pés de mulher comum que caminha pela vida de sapatilhas prateadas. Sem graça. Pensei em pegar uma garrafa de vodka. Tomaria um gole e deixaria no chão. Ia compor com a cena. Mas não seria eu. Desisti.
Mas a cena dos pés não saia da minha cabeça. Aqueles pés pendurados, roxos e de unhas vermelhas. Talvez quisesse matar so meus pés. Mas não dava. Se queria os pés roxos, tinha que fazer tudo. E eu delirava pensando nos meus pés roxos e em uma foto que pegasse so os meus pés roxos de unhas vermelhas. Não dava mais pra voltar a atrás.
Ele continuava la, inerte, olhando meus pés roxos, estático ele ali. A foto era agora mais bonita. Em primeiro plano seus ombros brancos e os cabelos negros dele. E em segundo, meus pés roxos de unhas vermelhas. Na altura dos olhos dele.
Deixei ele ali e comecei a me retirar. Estava na hora e eu não gostava de despedidas, nem de chegar atrasada. Deixei ele ali, de costas. Ao sair notei que boiva o tapete, os livros, os discos-e-nada-mais. Havia deixado a mini ducha aberta e um lago se formava por todo o apartamento. Um rio. Um vale de lagrimas, bem dramático, composto por todas as mediocridades pelas quais eu deveria ter chorado, me descabelado, me tornado uma junk cheiradora de cocaína, qualquer coisa assim. Mas não, eu não tinha coragem. E mediocridade não emociona ninguém. So aprisiona. E prisão não emociona ninguém, so em programas medíocres de TV medíocre. Mas era isto, so uma possa de água do chuveiro. Este era, que piada, meu rio de lagrimas. O rio das lagrimas que eu deveria ter chorado.
F. L – the dark side off the moon
Um comentário:
bravo, bravo!
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