terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pães de queijo, amigas, óculos escuros e bombons.

Foi no velório do meu avô que falei pra ela: não quero crisântemos no meu enterro. Nem essas folhagens verdes de montar os arranjos. Tinha dito isso também pra minha mãe, meia hora antes, na floricultura que ficava em frente ao cemitério. Minha mãe digitava a senha do cartão, comprando mais uma coroa. Me calei com seu olhar. Lembrei que mamãe nunca entendeu nada sobre flores. E isso me reconfortou.

Mal acabou de entrar no cemitério, trazendo uma sacolinha com pão de queijo e um refrigerante de laranja, e eu já logo fui falando sobre as flores feias que não queria no meu enterro. Ela usava óculos escuros, meu presente no amigo secreto da turma. Me abraçou e falei de um fôlego só sobre como achava aquelas flores cafonas. Segurando meu rosto, achatando contra seu peito, ela fez questão de se justificar, dizendo que não veio de noite porque quando a avisei ela estava de vestido florido amarelo.

De traz dos meus óculos de sol, ouvi ela garantir que não teriam crisântemos quando eu morresse. Perguntou se poderiam ser gérberas, que sempre são bonitas. Se der tempo, contrato um decorador. Ao ouvir isso escorreu uma, duas, três e quando vi, já nem dava mais para contar quantas lágrimas caiam por sobre aquele saco de pão de queijo no meu colo. Salvei um pãozinho, e entre uma mordida e outra eu a relembrei que as gérberas só não poderiam ser vermelhas.

Segurando o ultimo pedacinho do último pão de queijo entre minhas mãos, contei para ela que meu avô estava usando um terno novo. Mesmo passando boa parte dos seus dias metido em camisas de cambraia creme, ele havia comprado este terno para uma ocasião especial. Aproveitei para dizer que quando fosse meu enterro, não queria roupa fechada ou justa. Você sabe, eu fico sufocada, completei. Ela ergueu as sobrancelhas, e fez aquele sim com a cabeça que fazia quando eu falava coisas que ela já sabia. Continuei explicando que preferia uma roupa usada. Talvez meu vestido novo da Mulher do Padre, que eu adoro. Acho importante chegar lá com sua roupa preferida, ela completou.

Os sapatos do meu avô eram pretos. Nunca tinham conhecido a rua. A verdade é que ele gostava mesmo eram daquelas botas de jeca tatu, marrom e com elástico do lado. Falamos isso e demos meia dúzia de risadas, relembrando que ele foi com um par daquelas botas no meu casamento. Ficamos em silêncio. Mas os sapatos pretos são solenes, ela notou. Dei um gole no refrigerante de laranja, mastiguei o último pedaçinho do último pão de queijo, e a fiz prometer que me vestiriam algum dos meus tênis coloridos. Eu quero morrer parecendo comigo. E pra isso eu sabia que precisaria muito dela. Porque mamãe também nunca entendeu nada sobre tênis coloridos. Com uma mão me servindo refrigerante, e outra tirando meus óculos escuros pra limpar a lente embaçada, ela afirmou que até minhas bijuterias favoritas ela faria questão de colocar em mim.

Foi só depois de ouvir isso, que deitei a cabeça no colo dela e contei como meu avô tinha morrido. Daí, enquanto dividíamos o finzinho do refrigerante de laranja, falamos sobre a neném da Mari. Tinha nascido naquela semana. O padre chegou, ela segurou minha mão. Fecharam o caixão. O refrigerante acabou. Deixa que eu levo ela pra casa, tia – ela disse pra mamãe. E naquele dia, me colocou para dormir com um dos seus chás de camomila especiais. Nunca gostei muito de chás. Mas dormi a noite toda. Acordei e, repousando ao lado dos meus óculos escuros, sonhos de valsa me esperavam e me arrancaram um sorrisinho macio, enquanto me lembrava que ela sempre entendeu tudo sobre bombons.

Fe Lopes - pra Cacá.

2 comentários:

Anônimo disse...

quando eu morrer, que me levem pra baía de todos os santos...

Isabela Pimentel disse...

Achei teu blog muito bonito, voce escreve com a alma!Parabens!

bjs,
Isabela
http://hojeempauta1.blogspot.com